Anatomias A distância mais curta entre nós é uma ferida limpa. Um corte que não sangra, mas pulsa, como um animal preso no escuro. Falo contigo como quem tenta não acordar um morto ou provocar um espelho. A tua ausência ganhou densidade: senta-te ao meu lado, respira por mim, toca os meus ombros com dedos de ar. Escrevo como quem tenta manter a própria pele: letra por letra, riscando a página como se fosse chão. Cada palavra, um fósforo. O modo simples de ver no escuro. Mulher com fósforos Não sou santa, nem sombra. Sou a mulher que segura fósforos num quarto onde tudo arde devagar. Aprendi a esperar sem tempo. Aprendi a acender uma luz sem luz. Os homens olham e pensam: ela vai incendiar tudo, mas já o fiz. Queimei nomes, camas, as palavras sonoras de dor. E não sobrou dor. Apenas o gosto a fumo na língua, e essa voz que diz: escreve, antes que tudo volte a silenciar. E então escrevo com fósforos entre os dedos, a cabeça acesa, como quem sopra vida na própria cinza. Relicário Há coisa...